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5.10.06

Literatura e outros sistemas de significação no Espírito Santo hoje (Parte 2 de 2) (Publicado em 06.09.06)

Continuando a discussão da coluna passada [ver link ao final], vamos aos highlights do debate realizado no Up em junho de 2005, com os escritores Douglas Salomão, Orlando Lopes e Gabriel Menotti.

Douglas Salomão: "Eu penso que o blog tem muito esta característica do instantâneo, do imediato, embora eu demorasse a postar até 15 dias. Ainda assim, a produção escoava de maneira bem mais veloz do que através dos meios impressos. Talvez por possuir este caráter imediato, esses textos acabam criando um corpo, uma cara. E às vezes é muito interessante isto, coisa que você não consegue numa coisa mais sedimentada, num livro.

Antes de entrar para o curso de Letras, eu ouvi de pelo menos três pessoas "cuidado, você vai fazer o curso de Letras e ele vai te endurecer". E eu pensava: "Será que se eu fizer Letras-Português eu vou perder o que eu tenho?" No curso, te cobram muito texto. Você tem que ter um tempo muito grande para lidar com esta coisa formal. Mas você pode articular sua arte de escrever nesta coisa formal. Combinando as duas coisas você resolve um primeiro problema que seria não abandonar completamente a poesia neste sentido de criar uma atmosfera interessante para um texto. Eu penso que não tem como negar que a gramática existe. Parece uma grade com várias caixinhas em que você pode colocar significados dentro. O interessante é que você pode destruir isso. O grande lance da poesia é você esvaziar este sentido mesmo, trabalhar com a ausência de sentido das palavras e aí sim ressignificar estas coisas, fugindo dessa estrutura amarrada. Se a gente pensar que existe um lugar que é possível você fugir desta fôrma que seria a gramática, aí eu acho que não tem como a gente endurecer muito. Você pode navegar numa ordem não linear, ter um pensamento mais oxigenado e produzir coisas muito interessantes. Eu acho que é uma batalha diária.

Um livro é palpável, você pode andar com ele. O computador, por mais que tenha todas estas possibilidades e facilidades em relação ao texto e à literatura, eu acredito que tem uma coisa que fica um pouco distante ainda. Na tela parece que ainda falta um pedaço para aquilo se concretizar. Parece que ainda não está pronto e que com o livro funciona mais. É mais fetiche que a tela do computador. Não é valorar, são duas coisas diferentes. Acho que a literatura ganha um efeito diferente nesta recepção."


Gabriel: "Nunca vi uma experiência de literatura hipertextual que tenha dado certo, que seja literatura. Parece mais hipertexto, experimento em hipertexto, do que uma coisa literária, que arrebata e deixa o leitor eufórico. A web é um caminho para jogar o texto que não é uma obra fechada. Hoje, a idéia de livro publicado é muito mais fluida. O sistema de publicação em blogs é muito bom, porque você está escrevendo e publicizando assim que vai terminando. A relação escritor-público muda muito."

Orlando: "Poesia é uma coisa, computador é outra. Eu não tenho uma coisa de compor para. O que eu tenho certeza que eu comecei a absorver que está associado ao digital é uma aceitação da teoria do ideograma, do Haroldo de Campos. Usar internet com freqüência facilitou entender como isto se estrutura. Em relação à linguagem propriamente dita, eu tento aproximar o máximo possível de uma linguagem de ideograma usando apensar os caracteres que tem no teclado do computador. Pensar visualmente a distribuição e sobreposição das coisas na página sem usar caracteres que não estejam disponíveis direto no teclado. Formalmente, o computador condiciona o que estou escrevendo bastante neste sentido.

Eu sempre fui muito tranqüilo quanto à idéia de existir uma língua culta e de existirem as tais variedades. Eu nunca tive problema de identificação em relação a isso. Conseguia acompanhar o que era a gramática. Acho que dentro da poesia eu nunca quebrei a sintaxe da gramática, na verdade eu hiperbolizava a própria gramática. Eu tento não contrapor a regra da gramática, mas usar as ambigüidades que a gramática tem. Tudo o que as pessoas colocam como defeitos da gramática eu uso para duplicar o sentido que pode ter no mesmo verso. Pontuação é outra coisa ótima para abrir sentidos. Então eu tiro a vírgula. O leitor que se vire para selecionar e encaixar um jogo dele para marcar por onde ir a leitura.

A literatura não é aquilo que o cara está fazendo, mas o que os leitores irão fazer com aquilo que estão lendo. Para o blog não muda nada em relação ao livro. Eu vejo muito pouca coisa que tenho projeto editorial suficiente para ter apelo. Não há crítica de prosa, muito menos há crítica de poesia. Onde é que estão os blogs de poesia? Ou é muito difícil encontrar ou não tem. Não aparece. Não se promove. Não tem interesse como um produto de cultura".

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