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5.10.06

Literatura e outros sistemas de significação no Espírito Santo hoje (Parte 1 de 2)
(Publicado em 30.08.06)

Em junho de 2005, ainda quando eu trabalhava na Secult-ES, participei da organização de um ciclo de debates sobre literatura contemporânea no Espírito Santo, realizado no Centro Cultural UP, por ocasião do lançamento do livro Instantâneo. O segundo debate reuniu três dos participantes do livro para discutir a interface entre literatura e suportes digitais no Espírito Santo: Douglas Salomão, Gabriel Menotti e Orlando Lopes. Na coluna de hoje eu apresento alguns trechos da mesa-redonda, em que os autores falavam da relação entre suas respectivas produções literárias e outros sistemas de significação, em especial as tecnologias digitais.

Os três autores tinham em comum o fato de terem publicado parte de sua produção literária em blogs, durante algum tempo. Além disso, Douglas é um dos principais experimentadores de poesia visual em terras capixabas (sendo bastante conhecido também por seu trabalho como artista plástico), Orlando durante um bom tempo promoveu a lista de discussão virtual Itext, e o Gabriel participou de diversas ações e projetos em suportes digitais, seja na música, na literatura ou no cinema (tanto realizando animações quanto no campo do cineclubismo digital) - e muitas de suas reflexões podem ser acompanhadas através de sua coluna semanal aqui no Caderno Atrações, toda sexta. O bate-papo caminhou para uma discussão bem interessante sobre como produzir literatura aqui no Estado neste começo de século, deixando o assunto inicial um pouco de lado. Achei que não cabia manter as transcrições na gaveta pro resto da vida, então aí vão alguns trechos, divididos em duas colunas (nesta, as falas iniciais de cada um; na próxima, os debates):

Douglas Salomão: "Quando você está direcionado a fazer uma coisa você começa a pesquisar através do seu próprio olhar, além da prática. Calhou de cair na minha mão um monte de fotolitos do jornal A Gazeta. Muita palavra, textos, propagandas publicitárias, imagens. Eu peguei estes fotolitos e comecei a alterar raspando. A parte visual começou a se fundir com palavras. Eu não sabia onde eu ia chegar com isso, mas foi muito significativo.
Eu participei de alguns grupos de estudo ligados à filosofia, psicanálise e literatura, com Waldo Motta e Viviané Mosé. Aí meu trabalho plástico, de cinco anos para cá, começou a ganhar característica bem literária. Os poemas que eu comecei a escrever eu passei a pensar também num suporte para eles. Como eu poderia dar um corpo para uma palavra? Como extrapolar o espaço de um livro? Muita gente classifica como poesia visual, poesia concreta. Eu não me preocupo em classificar, mas em produzir.
Eu acredito que navegando neste espaço da literatura e da arte, chegamos num lugar que é muito curioso, onde você não sabe muito das coisas, mas a cada momento vai descobrindo. Nós somos bombardeados diariamente por imagens, por palavras. E não tem como você negar o seu olhar. Nós que temos que criar o filtro. Será que eu aceito, vou absorver aquilo ou não? Ainda que você fale que não quer lembrar daquilo, você já está lembrando porque você viu".


Gabriel Menotti: "A poesia parece estar sempre mais aberta a estas experimentações, a se fundir com outras coisas. A prosa parece ser muito fechada. Eu gosto de muitas coisas, me envolvo com muitas coisas, mas costumo segmentar muito. Eu faço animação, mas é animação simplesmente; eu escrevo, mas é texto mesmo o que escrevo. Eu tenho um fetiche muito grande por ver o texto no papel.
Hoje em dia somos contaminados por sistemas de significação os mais diversos. Isto acaba afetando não só a poesia contemporânea, mas muito da prosa contemporânea também. Escritores americanos pós-modernos vão beber em fontes de videogames, em filmes, em canções populares. É um pouco o meu caso infelizmente ou felizmente. Eu nunca gostei de poesia, não leio poesia. Mas hoje em dia o que eu mais escrevo é poesia. Quando eu escrevi meu livro de poesias as principais referências que eu tinha eram um CD do Marilyn Manson chamado "Anti-Christ Superstar" e uma história em quadrinhos do Grant Morrison chamada "Os Invisíveis". Isso acaba afetando o conteúdo.
A forma que eu busco é quase simbolista. Eu gosto muito do verso métrico, da coisa bem enquadrada. Faço sonetos às vezes. Só que minhas referências são essas. Além do próprio arcabouço de referências, esta coisa da produção digital é muito importante hoje em dia. O próprio programa editor de textos alterou muito nossa forma de escrever. Hoje em dia nossas ferramentas de escrever são digitais na mesma medida em que um texto é digital. Tudo no fim das contas é um código de máquina numérico. Grande parte do nosso mercado editorial hoje é puramente virtual. Esta literatura de blogs, os portais literários são coisas que nunca vão ser publicadas e que têm uma existência muito sólida. E há quem diga que daqui a pouco os próprios escritores vão ser eles próprios programas.
Hoje em dia, escrever está se tornando também uma coisa longe das próprias palavras. Mais uma operação talvez táctil, porque você está muito em contato com o texto que está escrevendo. Eu, quando escrevo, sinto muito isso. Estou jogando as palavras no papel e penso na medida em que elas estão aparecendo ali.
Eu achei interessante quando o Douglas falou que ele produz o poema. É uma coisa muito contemporânea. Na medida em que a escrita se torna um processo cada vez mais fluido, o significado da palavra ficar além da palavra ele se aproxima do ato de escrever. Acaba virando um jogo de combinação no texto. Embora eu busque no final uma forma mais quadrada e mais chata do mundo, eu me sinto jogando alguma coisa".


Orlando Lopes: "Literatura é o texto sendo lido. Não é o papel impresso. Só existe literatura quando as pessoas estão lendo.
Quando eu vim de Guarapari para Vitória, eu vim na esteira do pico da série Letras Capixabas. Eram livros cuja distribuição chegava a vários lugares, lá em Guarapari eu lia quando estava sendo lançado em Vitória. Isso criou na minha cabeça uma imagem de que as pessoas publicavam constantemente em Vitória, todo mês tinha um livro nas bancas. Não era muito bem assim, eu peguei no fim, em 1991, quando acabou a abordagem editorial de literatura pela Ufes, através da Fundação Ceciliano Abel de Almeida. Nos anos 90 ficou um vácuo editorial. Não se parou de publicar no Espírito Santo, mas se desfez uma referência de que as coisas estavam aparecendo em algum lugar. Não tem resenha em nenhum lugar, não tem crítica, não tem circulação.
A necessidade de escrever é muito diferente daquilo que paramos para pensar a partir da idéia de sistema literário, da idéia de obra. Quais são as fantasias que temos a respeito do que é ser escritor?
Poesia tem um processo muito mais complicado do que prosa, porque as pessoas estão habituadas com os modelos da prosa, que são mais fáceis de ser acompanhados. Poemas podem não ter tema.
A vida inteira eu estudei para tentar ajudar as pessoas a serem claras quando elas falam e quando eu escrevo não consigo me comunicar, porque a poesia não permite fazer isso. Se for para entender não precisa.
Quais são as ferramentas? O que eu uso para escrever que faz um texto meu ser diferente de qualquer outra coisa que eu tenha visto antes, que produza um efeito diferente do que eu tenha sentido antes?
Eu tenho escrito uma poesia que reflete uma estrutura do próprio pensar, que é fragmentada pelo tipo de circulação de informação disponível hoje para as pessoas".

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