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26.7.06

Letra de música é literatura? (Parte 1 de 2)

Erly Vieira Jr
(Publicado em 05.07.06)

Entendo que o título desta coluna, caro leitor, corra o risco de resgatar uma discussão que todo mundo já achava encerrada desde que o mundo é mundo, e que só é levantada pelos pseudo-intelectuais de boteco, já com a cabeça cheia de pinga na alta madrugada, com o intuito único e exclusivo de encher o saco de todo mundo na mesa (e aí eles citam Renato Russo, Zé Geraldo e, valha-me Deus!, Raul Seixas, e daí pra pior). Mas é que aquela revista semanal que mente descaradamente (quem adivinha qual é? São só quatro letrinhas...) fez o favor de chutar cachorro morto esta semana (usando como exemplo de que letra de música jamais seria poesia a insípida produção da horrorosa safra de popstars radiofônicos brasileiros deste começo de século, de Pitty pra baixo), e ressuscitou, ao menos na minha cabeça, a perguntinha básica do título, que comeu muito de meus neurônios apenas para arranjar uma boa e pirracenta resposta.
(E lá vou eu invadir novamente o terreno de outro colunista: não bastasse a série de colunas confrontando o cinema e a literatura, sem contar as freqüentes referências à posição da literatura na cibercultura, agora vou falar mais de música que de literatura. Eu poderia argumentar, com um nariz empinado bem blazé, que a transdisciplinaridade é uma constante na contemporaneidade, e que seria natural a literatura dialogar com outros campos do saber e blablablablabla..., mas a verdade é que, como o cenário literário nacional e local anda bem devagar, a falta de assunto é que me faz meter o bedelho no assunto dos outros colunistas. Se continuar assim, vou acabar fazendo em breve uma coluna cruzando literatura e arquitetura... aguardem!)
Antes de qualquer coisa, temos que tomar o cuidado de separar duas questões básicas: a primeira seria: "Das letras de música pop, quais poderiam ser consideradas poesia, se tomarmos como base a própria linguagem da poesia?"; a segunda, que deixa claro que o buraco é bem mais embaixo, seria esta: "De que formas as letras de música pop ocupam o lugar que durante séculos foi reservado à poesia dentro da cultura ocidental?" Mas como minha argumentação é bastante pessoal e por vezes apaixonada (pra variar, coisa de taurino), vou acabar misturando as duas questões para tentar responder.
Como o assunto rende, vou deixar a argumentação para a coluna seguinte. Nesta semana, de modo a convidar o leitor para o debate, vou apresentar um exemplo, tirado do novo disco (que talvez nunca chegue ao país) do inglês Scott Walker, intitulado The Drift. O nome da música é "Jesse", e é um diálogo imaginário entre Elvis Presley e seu irmão Jesse, acerca do episódio do atentado ao World Trade Center:

JESSE (September song)


(In times of loneliness and despair,
Elvis Presley would talk to
his stillborn twin brother
Jesse Garon Presley)

Nose holes
caked
in black
cocaine

Pow! Pow!

No one
holds
a match
to your
skin

No dupe
No chiming

a way
off
miles
off

No needle
through a
glove

Famine is
a tall
tall
tower

a building
left
in the
night

Jesse
are you
listening?

It casts
its ruins
in shadows
under
Memphis
moonlight

Jesse
are you
listening?

Six feet
of
foetus

flung at
sparrows
in the
sky

Put yourself
in my
shoes

A kiss-
-wet-
-muzzle

A clouded
eye

No stars
to flush
it
out

Famine is
a tall
tall
tower

A building
left
in the
night

Jesse
are you
listening?

It casts
its ruins
in shadows

under Memphis
moonlight

Jesse
are you
listening?

Pow! Pow!

In the dream

I am crawling
around on my
hands and knees
smoothing out
the prairie

All the dents
and the gouges

and the winds
dying down

I lower
my head

press my
ear
to the
prairie

Alive

I´m the
only
one

left
alive

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