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29.4.06

A tal da lista de melhores do ano

Erly Vieira Jr
(Publicado em 28.12.05)

Ah, vai! Não me cobrem essa tal lista, pelamordedeus! Seria uma lista parcial. Injusta. Apressada. Afobadíssima e, no fim das contas, supérflua. Ou será que vocês realmente levam a sério as listas de melhores livros do ano?

Aliás, vocês já pararam pra pensar que quase não existem listas de "melhores livros do ano", enquanto que as listas de filmes, músicas e discos do ano são praticamente a regra, tanto nas revistas sérias quanto nos blogs e fotologs dos amigos? Eu mesmo já postei as minhas faz tempo, no fotolog...

Se vocês me perguntarem qual o filme que mais gostei este ano, eu respondo sem pensar duas vezes: Tartarugas podem voar, do iraniano Bahman Ghobadi, ambientado no norte do Iraque. Se me perguntarem os discos que mais gostei este ano, a resposta não só vem sem pensar duas vezes como ainda tenho o requinte de listar uma série de discos que nem no Brasil saíram, mas que muitas vezes estavam no meu HD desde quando foram lançados (ou bem antes), e de artistas pouco ou nada conhecidos do grande público (só pra saciar a curiosidade dos mais afoitos, eu respondo: I am a bird now, do Antony and the Johnsons e Illinois, do Sufjan Stevens). Agora, listar os grandes livros de 2005 é o tipo de tarefa que não foi feita para mim (embora esta seja uma coluna de literatura).

O motivo é bem simples: o tempo da leitura é outro. Ler um livro não é algo que se encerra nos 80 minutos de duração de um cd ou nas duas horas de um longa-metragem. Um livro pode ficar sobre o meu criado-mudo cinco, seis meses, ou até mesmo devorado em uma noite, uma vez que cada leitura tem seu próprio ritmo: tem dia que leio cem páginas, tem dia que não passo de dois parágrafos, é tudo uma questão de fruição ? acredito que com qualquer pessoa que leia por prazer seja a mesma coisa. Ainda que eu me prontificasse a ler sem interrupções todos os livros que são lançados durante o ano, o máximo que eu poderia produzir seriam julgamentos apressados, e essa coluna seria um amontoado de resenhas que no máximo contariam a trama dos livros. E eu teria que completar pelo menos uma lauda com adjetivos vazios tipo "um dos mais emocionantes relatos sobre tal assunto" ou "fulano demonstra um domínio quase neo-barroco da linguagem ao tingir o sertão com sinuosas e ambíguas tonalidades aquareladas de silêncio e espasmo". Ou, pior ainda, apelaria pro clássico e desgastado "é um livro bastante sensível". Honey, convenhamos: tirando bula de remédio, memorando e laudo de IML, desconheço qualquer coisa que seja escrita sem um mínimo de sensibilidade. Ainda mais em literatura, néam?

Por isso que eu acho muito mais sinceras as descaradas copiagens de releases que a gente lê por aí nas seções de livros dos jornais locais e revistas brasileiros. Mais fácil repetir o que a editora mandou do que ter que emitir uma opinião relevante sobre cada livro lançado e lido, ou na maioria das vezes, folheado rapidamente.

Outro empecilho à elaboração de listas: a dificuldade de se encontrar certos livros, e até mesmo de se saber quais exatamente os livros mais relevantes lançados no planeta recentemente. Enquanto que dá pra acompanhar os lançamentos de filmes com uma certa regularidade (mesmo numa cidade em que os filmes não-hollywoodianos são exibidos com o habitual atraso de quatro a seis meses, de modo que o meu filme predileto do ano foi visto numa viagem ao Rio, pra variar, mas eu também poderia ter tentado baixar num desses emules da vida), uma vez que os circuitos de exibição e crítica, no mundo, já foram facilmente mapeados, o mesmo não pode se dizer dos livros: como irei saber se publicaram uma obra-prima recentemente naquela cidadezinha do Liechtenstein ou no Rio Grande do Norte? Ou até mesmo por uma editora independente, em São Paulo mesmo ou Nova York? Esse tipo de descoberta não se faz em semanas ou meses ? às vezes demoram décadas até os livros serem localizados, lidos por gente mais ou menos influente e incluídos no cânones. Sem contar que a importância de um livro depende muito da sua longevidade, não como best-seller, mas como obra capaz de influenciar gerações seguintes, numa silenciosa vingança contra a miopia da crítica na época de seu lançamento. Ou vocês acham que O processo de Kafka figurava na lista dos 10 mais de 1925? Eu, de Augusto dos Anjos, livro que todo mundo lê hoje em dia antes dos 16 anos, por acaso teve alguma repercussão em 1912?

(Nem vou mencionar a barreira da língua, uma vez que o leitor médio raramente domina mais que duas línguas além da língua-mãe o suficiente para atravessar um livro de cabo a rabo. Certos livros demoram séculos até que suas traduções para o português sejam editadas.)

Um último motivo para que eu justifique a ausência da lista de melhores do ano: o hábito da leitura ainda não se resolveu satisfatoriamente em termos de cultura digital. Por mais que os cybereufóricos jurem de pé junto que ler na tela do computador até com um certo conforto, eu afirmo que ler um livro não-impresso ainda é um grande empecilho (Eu não acredito em e-books!). O velho hábito de virar páginas ainda é mais confortável, e o monitor do PC (ou do notebook) não me permitem ler sentado na cabeceira da cama (ok, o notebook até ficaria um pouco no colo, mas ninguém agüenta seu peso sobre as coxas por muito tempo). Isso, de certa forma, restringe a leitura de uma obra literária ao suporte impresso, o livro, nem sempre tão fácil de adquirir (barato, então, nem pensar!). Enquanto que no meu HD já estão há várias semanas os discos que os Strokes e o Belle and Sebastian ainda irão lançar no começo de 2006, e que em 2005 cerca de uma centena ou duas de discos foram baixados da internet (e deletados, quando não me agradavam mais), o processo da leitura de um livro continua ocorrendo da mesma forma que era quando eu era garoto (e talvez continue a sê-lo durante muito tempo).

Por essas e outras, eu já aviso que só serei capaz de fazer a lista dos melhores livros de 2005 talvez daqui a vinte ou trinta anos. O que, no fim das contas, não é um grande problema, né? E por falar nisso, alguém tem interesse numa lista de melhores de 1976?

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