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29.4.06

Sobre os premiados do Edital
Erly Vieira Jr
(Publicado em 11.01.2006)

Bom, agora que saiu o resultado do Edital para publicação de obras literárias inéditas da Secult, acho que valeria a pena fazer uma coluna sobre os premiados. Aliás, ao comemorar os resultados desse Edital (e torcer para que haja muitos outros Editais), estamos celebrando a saída do ineditismo de cinco obras literárias de primeira linha, produzidas aqui e que deverão ser publicadas até o final do ano.

Uma coisa bem interessante acerca do Edital foi abolir a obrigatoriedade de se premiar um livro de cada "categoria" (é de praxe, nos concursos literários, que a premiação seja anacronicamente dividida em categorias: romance, conto, crônica, poesia). Dessa forma, o júri (aqui composto pelos escritores Orlando Lopes, Reinaldo Santos Neves e por mim) pôde se sentir mais à vontade para premiar os trabalhos que mais se destacaram no montante de concorrentes (quase quarenta!), independente do gênero de cada trabalho. Dessa forma, foram selecionados três livros de poesia, um romance e um volume de contos. Confesso que fiquei surpreso com a quantidade de bons livros de poesia dentre os concorrentes, principalmente num Estado em que o gênero literário mais comumente produzido e lido é a crônica.

Dos cinco selecionados, temos dois "estreantes". Eu preferi colocar entre aspas porque, apesar dos escritores enquadrarem-se na definição constante no Edital (que considera estreante o autor que não possui livro próprio publicado), ambos são nomes que já há algum tempo vêm correndo por fora no cenário local.

Bernardo Barros Coelho de Oliveira, professor de filosofia da Ufes, é autor do único romance selecionado, O fotógrafo da primeira-dama. É um livro recheado de uma deliciosa ironia, ambientado numa fictícia capital de um estado cujos governantes estão envolvidos em escândalos inenarráveis e o tempo todo fugindo de aparições públicas, o que faz com que o fotógrafo do título passe boa parte do seu tempo no mais puro ócio, dedicando-se a percorrer a cidade como um "flaneur" benjaminiano. Se a situação descrita acima nos remete imediatamente ao Espírito Santo de quatro, cinco anos atrás, o jogo entre o leitor e a narrativa ganha um atrativo a mais, quando a gente tenta identificar na cidade os logradouros da Vitória real (por mais que a cidade do romance seja intensamente fictícia).

Já Douglas Salomão, que foi selecionado com a obra Zero, é um dos poetas que mais atuaram no cenário local nos últimos anos, mesmo sem livro publicado. Aproximando-se da poesia visual, as artes plásticas e a música eletrônica, os trabalhos de Douglas tornaram-se presença constante em galerias e espaços públicos da Grande Vitória nos últimos cinco anos. Provavelmente você já deve ter lido alguma coisa dele: seja no outdoor com o poema (de uma frase) "Meus olhos olham para as coisas sem minha permissão", instalado em 2004 na Rua da Lama, em Jardim da Penha, como parte de uma exposição do projeto Quanto mais arte melhor; ou ainda, esculpido na parede do Museu de Arte do Espírito Santo (MAES), na exposição Ruído, entre 2002 e 2003: "Aqui,/ a poesia é provisória./ Tudo que fica/ falta."
Douglas também realizou, durante algum tempo, recitais acompanhado do músico Cons, agregando à sua poesia as experimentações da música eletroacústica e eletrônica. Alguns poemas de Douglas, bem como textos em prosa de Bernardo podem ser encontrados na antologia Instantâneo, lançada pela Secult-ES em 2005 e disponível para leitura aqui no Século Diário.

Do livro de contos Enquantamento, de Anne Ventura, pode-se dizer que também é uma estréia. Anne já havia publicado alguns volumes de poesia na adolescência, mas afirma que sua produção como escritora inicia-se com esse livro de contos. E que estréia! Anne apresenta um conjunto de textos bastante envolvente, capazes de fazer o leitor mergulhar em sua leitura ainda nas primeiras linhas, e querer ir mais fundo mesmo sem saber nadar. Enquanto o livro não vem, dêem uma conferida no conto Gastura, escrito na mesma época que os contos de Enquantamento e publicado no Instantâneo.

Caê Guimarães é um dos principais nomes do cenário capixaba a partir da década de 90, tendo estreado com o livro de poemas Por baixo da pele fria (1997), ao qual se seguiu o conto Entalhe final (1999), ambos publicados por Massao Ohno. Particularmente, eu devorei o primeiro livro de Caê, e costumava recitar de memória poemas como "A lua vem da Ásia" (que me lembra o livro de Campos de Carvalho, assunto para uma coluna futura) e "Otimismo Dialético", entre outros. Quando o dia nasce sujo foi a obra de Caê contemplada pelo Edital, e seus poemas aprofundam a escrita esboçada no primeiro livro. Provavelmente eu devo decorar mais uma dúzia de textos desse livro também...

Completando a lista dos selecionados, com o excelente livro de poemas Senhor Branco ou O indesejado das gentes, temos Paulo Sodré, um dos maiores poetas que já passaram por este Estado. Professor do Departamento de Letras da Ufes e vencedor de diversos concursos literários, Sodré começou a publicar ainda nos anos 80, através da Coleção Letras Capixabas, mantida pela FCAA/Ufes durante toda aquela década. Sua obra é composta principalmente por volumes de poesia, como Interiores (84) e Dos olhos, das mãos e dos dentes (92), além de um livro infantil e de um romance, Lhecídio, publicado em 1989. Neste romance, a temática homoafetiva está envolta numa intensa experimentação formal, sem recusar uma sensibilidade profunda, o que o situa a anos-luz à frente dos meros escritores-militantes como João Silvério Trevisan. Eu ainda acho que Lhecídio é um dos mais injustiçados romances dos anos 80, e que se tivesse sido publicado num "grande centro" teria tido uma repercussão à altura da grande literatura que ele contém.

Pra encerrar, gostaria de ressaltar que o júri decidiu conceder três menções honrosas. Na verdade, se pudessem ser premiados oito livros, as menções teriam sido contempladas. Três autores estreantes, cujos trabalhos (muito acima da média) bem que merecem ser aprovados pelas leis de incentivo (alô, Lei Rubem Braga!) e afins. São eles: Alessandro Darós (também participante do Instantâneo), Tatiana Brioschi (anteriormente premiada no Edital de Contos 2004 da Secult ? a ser publicado em breve ? com o originalíssimo conto "Personalidades Anagramáticas") e Fabrício Noronha, videomaker, artista plástico, integrante do grupo Sol na Garganta do Futuro (que mescla poesia e música) e uma das cabeças por trás do coletivo que vem revolucionando a maneira de se fazer cineclubismo no país (precisa dizer o nome?). Ou seja, é pra gente ficar de olho nesses três também: algo me diz que ainda vamos ouvir falar muito deles por aí.

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