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29.4.06

Mendes Fradique e seu Methodo Confuso

Erly Vieira Jr
(Publicado em 26.10.2005)

Quem passa pela rua Madeira de Freitas, na Praia do Canto, mal imagina qual seja a biografia por trás do nome do logradouro. Trata-se do autor de um dos maiores sucessos editorais brasileiros da década de 20, a História do Brasil pelo método confuso, publicada sob o pseudônimo de Mendes Fradique. Sob essa alcunha, inspirada no cosmopolitano personagem de Eça de Queiroz (Fradique Mendes), o conservador e integralista médico capixaba (então residente no Rio de Janeiro) Madeira de Freitas costumava publicar caricaturas e textos satíricos, carregando as tintas na crítica bem-humorada às personalidades públicas de sua época. Mendes Fradique, espécie de contraparte boêmia do sisudo médico (tal qual Jekyll e Hyde), obteve com seus livros um estrondoso sucesso de crítica e público: sua História do Brasil, por exemplo, teve sete edições apenas na década de 20 e seus livros ganhavam freqüentes resenhas nos mais importantes jornais e revistas da época.

Fradique baseava-se no Método Confuso para elaborar seus livros de caráter supostamente "didático" (ele também publicou uma Gramática portuguesa e uma suposta antologia literária escolar, a Feira livre): esse "método" consistia na mistura de épocas, fatos e personagens históricas com notícias e personalidades ilustres de seu tempo, como Rui Barbosa, Bastos Tigre e Lopes Trovão. Se hoje diversos dos nomes citados caíram numa relativa obscuridade (de modo que a edição atual da História do Brasil, lançada pela Companhia das Letras em 2004, venha acompanhada de um apêndice contendo notas biográficas acerca dessas personalidades), o tom de sátira e a língua afiada de Fradique ainda são capazes de nos arrancar boas gargalhadas: seja ao dizer que a guerra do Paraguai serviu pra nos fornecer uma "coleção variadíssima de nomes para ruas, praças, becos ou vielas" (p. 156), ou ainda partir da história de Caim e Abel para traçar as origens do abolicionismo, ou dar-nos a informação de que o Monte Pascoal recebera esse nome em homenagem a Paschoal Segreto (principal empresário de entretenimento do país no começo do século XX, autor das primeiras imagens cinematográficas feitas no Brasil), ou ainda o impagável telegrama (!) enviado pro Pedro Álvares Cabral a Dom Manuel por ocasião do descobrimento do Brasil (p. 89):

Manduca,
Saúde e patacas.
Acabo tomar para ti posse todo Brasil exceto Acre. PRC solidário.
Oportunamente remeterei conta despesas.
Respeitos patroa, beijinho pequenos.
Abraço do cada vez mais sempre o mesmo,
Pedro.

Isabel Lustosa, autora do abrangente estudo introdutório que acompanha a reedição do livro, afirma que o método confuso de Fradique era baseado num rigor metodológico absoluto: tudo no livro estaria sob os efeitos desse método, desde a capa, prefácios, informações sobre as obras do autor, notas de pé de página, índices, chegando até a própria estrutura narrativa. Tudo é objeto de confusão-humor, inclusive um prefácio supostamente escrito por Rui Barbosa (e desmentido páginas adiante), que simula quase à perfeição a linguagem do orador, de modo que o leitor, no início do texto, seja capaz de jurar que está lendo um prefácio legítimo.

Mendes Fradique, contudo, não era um modernista, chegando a se opor ao movimento, muito embora seu espírito satírico aproxime suas obras de trabalhos como a Poesia Pau-brasil, de Oswald, ou a História do Brasil, de Murilo Mendes. Isabel Lustosa chega a levantar um curioso paralelo entre o Brasil retratado no livro e a mais célebre cria de Mário de Andrade: "O alheamento, a apatia, um verto conformismo cínico marcam o personagem Brasil de Mendes Fradique e o Macunaíma de Mário de Andrade". É bastante curioso pensar em como o leitor de hoje sente bem próximos os estilos humorísticos das duas obras.

Em 1984, a FCAA-Ufes, em parceria com a editora Rocco, publicaram, dentro da clássica coleção Letras Capixabas, uma edição fac-similar da Grammatica portugueza pelo methodo confuso, lançada originalmente em 1928. Confesso que é um dos meus livros de cabeceira. A obra já começa com uma antológica definição de gramática (foi mantida a grafia original):

"Grammatica é a arte de fallar e escrever incorrectamente uma lingua. Segundo affirmam os grammaticos, a grammatica é o conjunto de regras tiradas do modo pelo qual um povo falla usualmente uma lingua. Ora, o povo falla sempre muito mal, e escreve ainda peiormente; logo, não é de estranhar que seja a grammatica a arte de fallar e escrever incorrectamente uma lingua".

Dá pra imaginar o que vem a seguir, né? Em tempos de horrendas grafias adotadas por adolescentes e não tão adolescentes assim, em e-mails, msn e orkuts da vida, bem que esse livro merecia uma reedição urgente. Pelo menos daria pra gente encarar um e-mail (em geral spam) mal-escrito com um pouco mais de graça e humor...

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