29.4.06
Literatura de blog? Bah!
Erly Vieira Jr
(Publicado em 16.11.2005)
Dia desses, numa conversa de messenger, eu e um amigo estávamos lembrando que entre 2001 e 2003 "todo mundo" escrevia em blog. E "todo mundo" acompanhava os blogs. OK, esse "todo mundo" não incluía a multidão que pouquíssimo tempo depois infestaria o www.fotolog.net com fotos sobre a última ressaca do Vital (quase sempre acompanhadas por textos recheados de "aki", "mlk", "falow", "ti amodoru" e outras atrocidades à língua-mãe) ou ainda os scraps de Orkut com aquele maldito peixinho. Não sei o que esse povo semi-alfabetizado fazia da vida antes do Fotolog e do Orkut, mas com certeza poucos deles tinham blog. Porque, naquele tempo (e parece ter sido há uma eternidade), "todo mundo" era pelo menos alfabetizado. Podiam até abundar posts de blogs tentando imitar o estilo de Bukowski e Fante e historinhas nas quais os personagens tinham suas vidinhas inspiradas em letras do Coldplay e Los Hermanos. Mas, convenhamos, para se ter o hábito de ler Bukowski e Marcelo Camelo pelo menos um razoável domínio da língua portuguesa (e das outras) o sujeito precisa possuir, né?
E, no auge da euforia toda, havia uma certa idéia geral de que o futuro da literatura brasileira passaria por essa geração blogueira. Bom, estamos em 2005, e essa idéia, como quase todo aforismo lançado no calor dos acontecimentos, obviamente não vingou. Até porque na maioria dos blogs ditos "literários" predominavam textos curtíssimos, muitas vezes escritos apressadamente e postados quase que imediatamente, ou seja, ignorando uma das premissas básicas da literatura, que é o ato de se reescrever o texto até chegar a uma forma satisfatória para ser publicado.
Eu, particularmente, preferia outros blogs, em sua maioria voltados pra crônica cotidiana, o humor, os testes absurdinhos ("qual personagem de Friends" ou "qual filme do Kubrick você é?") ou até mesmo a crítica cultural wannabe (se bem que muitos desses então aprendizes de críticos acabariam por se tornar colunistas em sites e veículos impressos de circulação nacional). Sem contar as listinhas de melhores discos, filmes, livros ou sabores de picolé, bastante parciais e passionais, mas verdadeiros mananciais para se arriscar a conhecer bandas obscuras, autores lançados por editoras minúsculas e filmes lançados diretamente em dvd. Mas o barulho maior vinha da tal "nova literatura".
Onde andará Clarah Averbuck, ícone desse hype todo? Ela escrevia nos blogs Dexedrina e Brazileira!Preta, sendo que antes mantinha a coluna Averbuck is on the table no zine gaúcho (versões on line e impressa) CardosoOnLine. Com seus cabelos vermelhos e sua camiseta dos Strokes, publicou três livros: o primeiro, Máquina de pinball, teve ampla cobertura da mídia; os dois seguintes, um deles assumidamente uma coletânea de textos de blog, já não tiveram tanta repercussão. Clarah montou uma banda (Jazzie e os Vendidos, com direito a mp3 disponíveis no site da Trama Virtual), virou habitueé da Funhouse em São Paulo, teve um bebê, virou colunista da Trip, mas há muito deixou de ser festejada como "esperança" da nova literatura brasileira (até porque a maioria dos alimentadores do hype eram blogs que tempos depois deixaram de existir, mantidos por estudantes que se vestiam tal qual Clarah e também ouviam desesperadamente o primeiro disco dos Strokes). Houve até uma época em que era lugar comum no meio virtual declarar tanto "eu amo" quanto "eu odeio Clarah Averbuck".
Ok, não havia só ela. Tinha toda a gauchada do CardosoOnLine, com seus respectivos blogs: Cardoso, Daniel Galera, Mojo, Daniel Pelizzari. Alguns desses foram lançados pela editora Livros do Mal, outros trilharam caminhos diversos, quase sempre em canais alternativos. A mesma Livros do Mal publicaria, em 2003, Hotel Hell, romance bastante interessante de Joca Reiners Terron, antes postado em suaves prestações no blog homônimo (e hoje fora do ar).
Eu mesmo tinha meus blogs prediletos dentre os literários. Além do Terron, minha listinha de leituras quase diárias incluía desde os despretensiosos e anônimos (e hoje infelizmente deletados) Fantasma Numerado e inter:urbanos até escritores como Cecília Gianetti , João Paulo Cuenca, Alê Félix e seu Amarula com sucrilhos , Mara Coradello (os hoje extintos Mercurial e Caderno branco) e, mesmo sem postar texto literário algum, mas sempre nos abastecendo com ótimas dicas sobre o circuito literário, Marcelino Freire ( EraODito). Algumas dessas páginas continuam ativas até hoje, com posts já não tão freqüentes assim.
Vale lembrar que, quando a antologia Instantâneo foi organizada, alguns dos textos de Gabriel Menotti, Douglas Salomão e Mara Coradello que optamos por incluir tinham sido anteriormente postados nos blogs dos autores. Até o conto meu que participou do livro teve uma primeira versão postada num dos meus falecidos blogs (sim, eu tive três ou quatro, nenhum propriamente voltado pra literatura, diga-se de passagem).
Embora o universo blogueiro não tenha concretizado nem de longe a promessa de conduzir o futuro da literatura nacional (embora muitos bons autores, como os citados acima tenham sido revelados através de seus blogs), preciso fazer uma ressalva ao fato de que muito da boa produção literária emergente deste país encontra na internet seu espaço de maior visibilidade. As feiras, bienais, congressos, jornadas (Passo Fundo e FLIP encabeçando a lista) e demais eventos literários que acontecem (com uma grande intensidade) Brasil afora estão repletas de bons escritores surgidos nos últimos dez, quinze anos, e cujos textos também podem ser encontrados na rede, ao alcance de leitores do país inteiro, que têm pouco ou nenhum acesso às publicações desses autores todos, quase sempre independentes e de circulação restrita ao eixo Rio-São Paulo. Falo de sites, revistas e portais voltados pra divulgação da literatura contemporânea. Pelo menos dois ou três deles, muito mais que meras bolsas de aposta, são verdadeiros mapas da mina para quem quer se aventurar a conhecer o que se escreve de novo por aí. Mas eu deixo pra falar deles na próxima coluna, porque esse assunto rende muita conversa ainda...
Erly Vieira Jr
(Publicado em 16.11.2005)
Dia desses, numa conversa de messenger, eu e um amigo estávamos lembrando que entre 2001 e 2003 "todo mundo" escrevia em blog. E "todo mundo" acompanhava os blogs. OK, esse "todo mundo" não incluía a multidão que pouquíssimo tempo depois infestaria o www.fotolog.net com fotos sobre a última ressaca do Vital (quase sempre acompanhadas por textos recheados de "aki", "mlk", "falow", "ti amodoru" e outras atrocidades à língua-mãe) ou ainda os scraps de Orkut com aquele maldito peixinho. Não sei o que esse povo semi-alfabetizado fazia da vida antes do Fotolog e do Orkut, mas com certeza poucos deles tinham blog. Porque, naquele tempo (e parece ter sido há uma eternidade), "todo mundo" era pelo menos alfabetizado. Podiam até abundar posts de blogs tentando imitar o estilo de Bukowski e Fante e historinhas nas quais os personagens tinham suas vidinhas inspiradas em letras do Coldplay e Los Hermanos. Mas, convenhamos, para se ter o hábito de ler Bukowski e Marcelo Camelo pelo menos um razoável domínio da língua portuguesa (e das outras) o sujeito precisa possuir, né?
E, no auge da euforia toda, havia uma certa idéia geral de que o futuro da literatura brasileira passaria por essa geração blogueira. Bom, estamos em 2005, e essa idéia, como quase todo aforismo lançado no calor dos acontecimentos, obviamente não vingou. Até porque na maioria dos blogs ditos "literários" predominavam textos curtíssimos, muitas vezes escritos apressadamente e postados quase que imediatamente, ou seja, ignorando uma das premissas básicas da literatura, que é o ato de se reescrever o texto até chegar a uma forma satisfatória para ser publicado.
Eu, particularmente, preferia outros blogs, em sua maioria voltados pra crônica cotidiana, o humor, os testes absurdinhos ("qual personagem de Friends" ou "qual filme do Kubrick você é?") ou até mesmo a crítica cultural wannabe (se bem que muitos desses então aprendizes de críticos acabariam por se tornar colunistas em sites e veículos impressos de circulação nacional). Sem contar as listinhas de melhores discos, filmes, livros ou sabores de picolé, bastante parciais e passionais, mas verdadeiros mananciais para se arriscar a conhecer bandas obscuras, autores lançados por editoras minúsculas e filmes lançados diretamente em dvd. Mas o barulho maior vinha da tal "nova literatura".
Onde andará Clarah Averbuck, ícone desse hype todo? Ela escrevia nos blogs Dexedrina e Brazileira!Preta, sendo que antes mantinha a coluna Averbuck is on the table no zine gaúcho (versões on line e impressa) CardosoOnLine. Com seus cabelos vermelhos e sua camiseta dos Strokes, publicou três livros: o primeiro, Máquina de pinball, teve ampla cobertura da mídia; os dois seguintes, um deles assumidamente uma coletânea de textos de blog, já não tiveram tanta repercussão. Clarah montou uma banda (Jazzie e os Vendidos, com direito a mp3 disponíveis no site da Trama Virtual), virou habitueé da Funhouse em São Paulo, teve um bebê, virou colunista da Trip, mas há muito deixou de ser festejada como "esperança" da nova literatura brasileira (até porque a maioria dos alimentadores do hype eram blogs que tempos depois deixaram de existir, mantidos por estudantes que se vestiam tal qual Clarah e também ouviam desesperadamente o primeiro disco dos Strokes). Houve até uma época em que era lugar comum no meio virtual declarar tanto "eu amo" quanto "eu odeio Clarah Averbuck".
Ok, não havia só ela. Tinha toda a gauchada do CardosoOnLine, com seus respectivos blogs: Cardoso, Daniel Galera, Mojo, Daniel Pelizzari. Alguns desses foram lançados pela editora Livros do Mal, outros trilharam caminhos diversos, quase sempre em canais alternativos. A mesma Livros do Mal publicaria, em 2003, Hotel Hell, romance bastante interessante de Joca Reiners Terron, antes postado em suaves prestações no blog homônimo (e hoje fora do ar).
Eu mesmo tinha meus blogs prediletos dentre os literários. Além do Terron, minha listinha de leituras quase diárias incluía desde os despretensiosos e anônimos (e hoje infelizmente deletados) Fantasma Numerado e inter:urbanos até escritores como Cecília Gianetti , João Paulo Cuenca, Alê Félix e seu Amarula com sucrilhos , Mara Coradello (os hoje extintos Mercurial e Caderno branco) e, mesmo sem postar texto literário algum, mas sempre nos abastecendo com ótimas dicas sobre o circuito literário, Marcelino Freire ( EraODito). Algumas dessas páginas continuam ativas até hoje, com posts já não tão freqüentes assim.
Vale lembrar que, quando a antologia Instantâneo foi organizada, alguns dos textos de Gabriel Menotti, Douglas Salomão e Mara Coradello que optamos por incluir tinham sido anteriormente postados nos blogs dos autores. Até o conto meu que participou do livro teve uma primeira versão postada num dos meus falecidos blogs (sim, eu tive três ou quatro, nenhum propriamente voltado pra literatura, diga-se de passagem).
Embora o universo blogueiro não tenha concretizado nem de longe a promessa de conduzir o futuro da literatura nacional (embora muitos bons autores, como os citados acima tenham sido revelados através de seus blogs), preciso fazer uma ressalva ao fato de que muito da boa produção literária emergente deste país encontra na internet seu espaço de maior visibilidade. As feiras, bienais, congressos, jornadas (Passo Fundo e FLIP encabeçando a lista) e demais eventos literários que acontecem (com uma grande intensidade) Brasil afora estão repletas de bons escritores surgidos nos últimos dez, quinze anos, e cujos textos também podem ser encontrados na rede, ao alcance de leitores do país inteiro, que têm pouco ou nenhum acesso às publicações desses autores todos, quase sempre independentes e de circulação restrita ao eixo Rio-São Paulo. Falo de sites, revistas e portais voltados pra divulgação da literatura contemporânea. Pelo menos dois ou três deles, muito mais que meras bolsas de aposta, são verdadeiros mapas da mina para quem quer se aventurar a conhecer o que se escreve de novo por aí. Mas eu deixo pra falar deles na próxima coluna, porque esse assunto rende muita conversa ainda...
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