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29.4.06

E os contistas?

Erly Vieira Jr
(Publicado em 19.04.2006)

Pra continuar o passeio pela prosa brasileira dos últimos cinqüenta anos, não dá pra ficar sem falar dos contistas. Até porque os contos são a porta de entrada de muitos leitores no universo deste ou daquele autor. Sempre tem um "A primeira margem do rio" pra iniciar alguém no Rosa, ou um conto cheio de violência e sexo do Rubem Fonseca nos anos 70 pra arrebanhar novos e ardorosos fãs do escritor. E sempre tem um conto tipo aquele do Vitor Giudice, "O arquivo", pra gente ficar se perguntando: e esse autor, escreveu mais coisas assim? Onde ele foi parar?

O caso de Vitor Giudice é bem peculiar no universo do conto brasileiro nos anos 70 (a década de ouro do conto, segundo dizem). "O arquivo", inacreditável narrativa Kafkiana sobre um trabalhador que tem seu salário gradativamente cortado até que ele mesmo se transforme num arquivo de metal, foi publicado em 1972, e deve ser o conto brasileiro mais publicado no exterior naquela década. Giudice publicou quatro volumes de contos e dois romances, antes de falecer em 1997, mas seus livros são peça rara de se encontrar por aí. Exceto esse conto, que até na rede está facinho, facinho de achar. Giudice injustamente entrou pra história da literatura brasileira como autor de um conto só, talvez o mais emblemático conto dos nossos anos de chumbo. De tão intenso, o texto se destaca fácil entre Os cem melhores contos do século, aquela antologia do Ítalo Moriconi que todo mundo leu. Rival à altura, só mesmo a "Terceira margem" rosiana, que os herdeiros (sempre eles!) não concordaram em incluir na antologia.

Aliás, a antologia do Ítalo cobre todo o primeiro escalão da nossa literatura neste último meio século: Nélida, Lygia, Clarice, Scliar, Hilda, Trevisan, Raduan, Noll, tá todo mundo lá (menos o Rosa). Tem até o Sérgio Sant'anna, festejadíssimo, embora o único conto dele que realmente me seduza seja aquele do professor e do ovo, que até faz um contraponto interessante com o genial "O ovo e a galinha", da Clarice. Mas como eu não vou ficar aqui falando do primeiro escalão, porque todo mundo já conhece a literatura desse pessoal muito bem, vou falar dos menos badalados, porque utilidade pública tornou-se a vocação desta coluna! (Hehehehe...)

Então, começo com o João Antônio. Um dos mais importantes contistas do país, ícone nos seventies, hoje reeditado em fartas doses (até nas prateleiras das livrarias blockbusters você encontra, entre a Danuza e a Bruna!). Os contos dele cheiram a lingüiça de boteco, cerveja quente e fumaça de cigarro esquecido sobre a sinuca, e isso, em se tratando de João Antônio, não é insulto algum. Experimente ler algum conto dele que você vai passar até a apreciar esses aromas pouco convencionais, ainda que o faça, como eu, apenas durante as páginas em que o conto se desenrola. A calçada suja do centro das grandes cidades, o suor do migrante, o sol de quarenta graus, a miséria distribuída generosamente em cada esquina, tudo isso está presente no uso poderoso da linguagem coloquial em cada parágrafo. Nem sei indicar um livro só dele.

Do José J. Veiga eu nunca gostei muito, mas tenho que dar o braço a torcer para "Os cavalinhos de platiplanto", um segredo entre narrador e leitor que nos leva a territórios íntimos e inesquecíveis da infância. Ivan Ângelo tem dois livros interessantíssimos de contos, A face horrível e A casa de vidro. Mesmo os dois ou três contos dele que lembram Rubem Fonseca demais são muito bons. E a tal da "casa de vidro" tirou meu sono por um bom tempo, coisa que nenhum filmeco de terror japonês ou tailandês conseguiu até hoje. Do João Gilberto Noll, eu recomendo todos os livros, mas se fosse pra ler um conto apenas, eu diria pra você ler "Alguma coisa urgentemente", que infelizmente foi suuuuper mal-adaptado para o cinema no filme Nunca fomos tão felizes? (bom, o filme datou, o conto não!).

Dalton Trevisan, não bastasse ser um dos maiores de todos, ainda foi sortudo na adaptação pro cinema. Alguém aí viu A guerra conjugal, do Joaquim Pedro de Andrade, adaptando diversos contos do escritor curitibano? Um dos poucos filmes brasileiros dos anos 70 que realmente prestam. Acho que só a adaptação para "Os mil olhos do cego" datou um pouco, mas como já é final de filme, nem compromete tanto. Pra quem não tiver mais videocassete em casa pra passar na locadora e pegar o filme (sim, pra variar, ele inexiste em dvd), e pra quem tem também, porque ver filme adaptado não supre a leitura do livro de origem (a não ser O poderoso chefão, baseado num livro meia-boca), vale a pena ler qualquer livro do Dalton. Ou pelo menos O vampiro de Curitiba, pra não fazer feio nas rodas de conversa em vernissages e foyer de teatros.

Os outros três que eu quero citar eu deixo pra próxima coluna, pra poder me aprofundar em cada um. Então, semana que vem tem Caio Fernando Abreu, Zulmira Ribeiro Tavares e Murilo Rubião. E os cronistas, porque crônica não é gênero menor, não senhor!

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