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29.4.06

Como o poeta chega a seu público?

Erly Vieira Jr
(Publicado em 01.02.2006)

Estava eu, num fim de semana de dezembro, passeando por Belo Horizonte quando entro numa livraria e me deparo com o livro de Viviane Mosé sobre Nietzsche exibido com grande destaque nas prateleiras. Ao ver meu interesse, o livreiro ainda comenta que o livro tem tido boa vendagem e que vários clientes têm voltado à loja pra comprar outro exemplar pra dar de presente no Natal. Empolgado com a repercussão do trabalho de Viviane, aproveito pra perguntar se por acaso haveria algum dos livros de poesia dela à venda na loja, já que eu mesmo, apesar de grande fã de sua poesia, nunca consegui adquirir qualquer um de seus títulos. Foi espantosa a reação do proprietário da loja (uma das mais tradicionais livrarias de BH): "Como? Ela também é poeta? Pensei que fosse apenas filósofa!"

A partir desse episódio, dá pra começar a entender a quase inexistente visibilidade da poesia no Brasil. Se Viviane, que é uma escritora reconhecida pela crítica e com livros publicados por editoras com boa distribuição nos grandes centros (Toda palavra e Pensamento Chão foram lançados pela Sete Letras e até no catálogo do www.submarino.com constaram durante algum tempo), é muito mais famosa como filósofa do que como poeta, e seus volumes de poesia são quase impossíveis de se encontrar, imagina o resto dos poetas publicados? Como o já restritíssimo público-leitor de poesia neste país consegue ter acesso aos livros?

Publicar, até que se publica em grande volume neste país. Dia desses, eu me deparei com uma lista de cerca de 7300 poetas publicados, compilada por Leila Miccolis. Lista, aliás, que se amplia quando conjugada às listagens dos diversos sites regionais espalhados pela rede, cada qual atingindo seu estado. Embebido em utopia, alguém sugeria, num fórum de discussões de internet, que os livros de poesia poderiam ter sua tiragem ampliada para mais de sete mil exemplares, porque só os poetas da lista, caso se comprometessem a comprar um o livro do outro, já esgotariam tais edições. Como se o problema fosse esse...

A questão envolve variáveis bem mais complexas, e não falo apenas do preço do feijão que não cabe no poema. Mesmo se os livros de poesia fossem baratíssimos, como fazer com que cheguem aos leitores? Dos tais sete mil e tantos autores, acredito que 90 a 95 por cento deles sequer saiu das fronteiras municipais, quiçá estaduais, e a quase totalidade desse número foi publicada nas mambembes "edições do autor". Publicar, convenhamos é a parte mais fácil. Seja através de Lei de incentivo, seja juntando o dinheiro da rescisão e do FGTS, seja vendendo o carro, publicar um livro é algo relativamente acessível ao brasileiro médio. Volume de produção e público não são exatamente o problema.

A coisa começa a mudar de figura quando a gente pensa na carência de mecanismos que respaldem o melhor dessa produção. Ou seja, a árdua tarefa de separar o joio do trigo. Desde concursos e editais que selecionem e premiem obras de reconhecido mérito literário e possibilitem a revelação de novos talentos, até mecanismos que possibilitem aos bons autores locais serem reconhecidos e publicados por editoras de alcance nacional, e terem a possibilidade de serem resenhados por veículos de ampla circulação. Quantos bons escritores temos em nosso Estado, que mereceriam ser reconhecidos nacionamente? Faça a sua listinha. Agora multiplique pelo número de Estados brasileiros, porque a situação não é diferente no resto do país. Com isso, chegamos a cinco ou dez por cento do número de poetas da lista dos sete mil.

Trezentos e poucos, ou setecentos bons poetas? Ok. Agora, suponhamos que desses, uns trinta bons livros de poesia sejam publicados no país anualmente. Talvez cinqüenta. Onde estão esses livros? Como saber que eles existem, de que forma adquiri-los? Chegamos naquele que, pra mim, é um dos mais fortes empecilhos na relação entre o poeta e o leitor brasileiro: a distribuição a nível nacional do montante editado.
Pense bem, quantas vezes você leu que fulano ou beltrano ganhou o prêmio APCA, Revista Cult, Jabuti, seja-lá-o-que-for, na categoria "poesia", e você nunca conseguiu ver esse livro na sua frente? Com algum esforço dá pra achar no Google uns dois ou três poemas do distinto autor, e só. Raramente o livro está num site à venda, e muitas vezes são pouquíssimos exemplares, rapidamente esgotados. E assim vai.

Voltemos ao exemplo de Viviane Mosé. Recentemente ela lançou um livro com cd, denominado Receita pra lavar palavra suja, pela Arte Clara. Vendia no site da Editora, que está atualmente em manutenção, ou seja, fora do ar. Não consegui achar em loja alguma, nem em Vitória, nem nas outras capitais do Sudeste (e olha que revirei livrarias de todas nos últimos seis meses). Tentei procurar na internet, mas não achei em nenhuma das lojas virtuais que sempre compro. Aliás, ao googlar o nome do livro, quase todas as páginas encontradas referem-se não a ele, mas ao poema homônimo (muito postado em blogs, por sinal, o que reforça que há um público numeroso que cultua a poesia da autora). Ou seja, pra conseguir o livro, só através de uma Via Crucis, ou comprando o exemplar na loja da editora, no Jardim Botânico (no Rio) ou diretamente com a autora, em algum de seus recitais.

Viviane não é a única. Waldo Motta, outro dos nossos autores mais importantes e reconhecidos nacionalmente, praticamente é artigo raro em livrarias, mesmo na Grande Vitória. Eu me lembro que quando o Bundo foi publicado pela Editora da Unicamp, em 1995, era impossível de achar nas livrarias daqui. Choviam resenhas favoráveis ao livro em grandes jornais nacionais, e nada dele nas prateleiras. Ou você comprava na mão do autor, ou ficava sem. Imagina a cena: um autor como o Waldo tendo que vender seus livros de bar em bar, noite após noite, no centro da cidade, em pleno fim de século. Bom, Transpaixão e Recanto, seus livros seguintes (e tão essenciais quanto o Bundo), foram vendidos nesse esquema.

Isso me faz lembrar as estratégias de marketing pouco usuais de um escritor capixaba que, durante os anos 80, reza a lenda, era a estrela de uma série de pichações nos muros da cidade: "Eu li A cumplicidade do beijo de Benilson Pereira e gostei". Tempos depois ele migrou para os rodapés de outdoors e para os cartazes em xerox tamanho A4 espalhados nos orelhões e postes: "Tire seu sonho da gaveta". A estratégia, ao que parece, deu certo. Conheço muita gente que comprou ao menos um livro do Benilson por conta dessa visibilidade toda. Tanto que, dia desses, os postes das placas de sinalização de logradouros do centro da cidade apareceram tomados por cartazes em policromia, nos quais o autor agradecia a cidade pela acolhida nestes vinte e cinco anos, algo do tipo "muitas cidades têm um autor, mas só um autor tem uma cidade", ou vice versa. Mais uma vez, durante o curto período de tempo que essas peças estiveram em circulação, todo mundo viu e comentou, independente de se gostar ou não da poesia de Benilson. Isso mais uma vez nos lembra que, pra poder chegar a seu público-alvo, qualquer que seja ele, o poeta brasileiro precisa atirar para os lados mais diversos possíveis. Infelizmente.

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