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29.4.06

Bom pro bolso, né?

Erly Vieira Jr
(Publicado em 25.01.06)

E não é que o negócio dos pocket books pegou mesmo aqui no Brasil? Eu lembro que quando eu era adolescente (e isso foi um dia desses) ouvia das pessoas que livro de bolso era "livro vagabundo": fosse pela baixa qualidade do papel-jornal ou das encadernações, ou pelo reprovável hábito de se condensarem os textos originais, causando alterações substanciais (e de gosto duvidosíssimo) com relação à obra original. Lembro dos livros de bolso de coleções supostamente "universitárias" do final dos anos 70, encalhados no sebo, e das edições toscas em papel barato vendidas em bancas de revistas, com suas capas impressas em uma ou duas cores. Nesse formato, obviamente só davam algum lucro as pulp fictions de sempre (Rioki Inoue, com os mais de mil títulos de sua autoria publicados entre 86 e 92 e um título no Guiness que o diga). Ainda assim, agradeço muito a uma coleçãozinha da RioGráfica através da qual pude ler dois textos que fizeram a minha cabeça muitos anos atrás: Diário de um ladrão (Jean Genet) e O deserto dos tártaros (Dino Buzzati) ? livros, inclusive, que só seriam relançados recentemente, e que serão assunto de colunas futuras.

Resultado: toda vez que alguém tentava lançar uma coleção de bolso por aqui, encalhava. Isso desde a década de 30. E o que em todo mundo era sucesso, por aqui encalhava. Uma pena, porque o formato de bolso tem uma série de vantagens: é barato de produzir (não só pelo custo da impressão, mas também pelo fato de que quase sempre esse tipo de edição trabalha com livros já pertencentes aos catálogos das editoras), garante tiragens maiores (permitindo atingir um público mais amplo, que não pode pagar o exorbitante preço do livro no Brasil) e é um produto que agrada ao leitor (já que custa baratinho, cabe em qualquer bolsa, pode ser lido no ônibus-avião-metrô, etc etc etc). Sem contar que, com o livro vendendo bem, a editora pode mantê-lo sempre em catálogo.

Bom, o jogo começou a virar com a entrada da L&PM Pocket nesse mercado, em 1997. Na época, a editora L&PM praticamente tinha sumido do mapa: depois de lançar livros que eram leituras de cabeceira da geração 80 (ao lado dos títulos da Editora Brasiliense), introduzindo à juventude brasileira diversos autores beatniks, noirs, libertinos, glbt, alternativos e esquerdistas em geral, bastante bem-cotados no cânon universitário da nascente Nova República, pouco se ouvia falar da editora. Numa tacada espertíssima, a L&PM começou a reeditar seu catálogo num formato mais barato, mas com uma programação visual atraente e qualidade de impressão boa (nada de papel jornal). Aliou a isso uma excelente estratégia de marketing que hoje em dia inclui displays próprios com os títulos da coleção, e cuja disponibilidade não se restringe ao espaço da livraria: os mais de mil e quinhentos displays encontram-se em bancas de revistas e estações de metrô (na Avenida Paulista, qualquer uma daquelas bancas 24 horas possui pelo menos uns 30 títulos da L&PM Pocket).

As coleções de bolso também incluem títulos de "domínio público", que custam à editora apenas os serviços de tradução. Com isso, tornou-se possível encontrar, a preços bastantes acessíveis, edições decentes de Molière, Shakespeare, Maquiavel, Dom Quixote em dois volumes e até mesmo de certas bobagens milenares resgatadas pelo povo da auto-ajuda, como A arte da guerra, de Sun Tzu, verdadeira praga espalhada neste início de século.

E nisso já se vão quase dez anos de pocket-cultura literária no país. E diversos efeitos indiretos desse processo podem ser observados no panorama literário nacional. Um exemplo bem claro é a grande quantidade de escritores,"dublês de escritores" e blogueiros em geral influenciados por gente como Bukowski e Fante, autores por anos cobiçados nos sebos e hoje encontráveis em qualquer display de livraria. Bem ou mal, o fato desses autores terem voltado às prateleiras aumenta as possibilidades de voltarem a ser lidos e de influenciarem uma certa "pulp fiction" freqüentemente travestida de "nova literatura brasileira".

Outro aspecto curioso é a publicação de obras exclusivamente nesse formato. Não falo apenas de obras literárias como alguns títulos recentes de Dalton Trevisan, mas também de livros técnicos que finalmente podem vir a atingir o grande público. A coleção Leitura, da Paz e Terra (que começou nesse segmento pouco antes da L&PM), que inclui o esquecível A arte da guerra e a impressionante marca de 500 mil exemplares da Pedagogia da autonomia do Paul Freire, detém entre seus títulos obras exclusivas, como O cinema brasileiro moderno, do Ismail Xavier, que permite ao leitor por menos de dez reais ter acesso a uma importante análise crítica do cânone cinematográfico brasileiro, inclusive com uma rara tentativa (talvez a mais bem-sucedida até agora) de se pensar criticamente os títulos relevantes da produção nacional dos anos 70 e 80, extensos territórios a serem desbravados pelos teóricos vindouros (muito embora eu ache que o Ismail nesse livro tenha se prendido muito na produção 70-80 dos diretores do cinema novo, em detrimento de nomes surgidos no período e hoje caídos injustamente no anonimato, e muito embora eu também ache que isso é assunto pra outro colunista e eu mesmo esteja fugindo do meu assunto, pra variar...).

Claro que nem tudo é lindo e maravilhoso nesse segmento: o preço dos livros poderia ser bem mais barato (o preço médio é de 12 a 18 reais, chegando a quase 30 em alguns casos) e autores estreantes poderiam ser contemplados por essas coleções, entre outras reivindicações deste colunista. Mas, pelo menos, o fato de que muita coisa relevante existir por aí em edições de bolso permite que livros sejam efetivamente cogitados para inclusão em listas de presentes de aniversário, natal e "amigo x". O que, num país semi-analfabeto e desmemoriado, que adora aplaudir quase histericamente celebridades recém inventadas e com sobrevida inferior a quinze minutos, já é muita coisa.

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